quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

... nostalgia e memória!!!...




…nostalgia e memória, pelo olhar melancólico de quem… já viu, já sentiu outras coisas, na sua vida!!!... Concordo contigo, não por concordar, para te incentivar ou qualquer outra coisa do género, contemporizar, apenas… pelo simples facto de querer sê-lo!!!... Estou na mesma linha de pensamento, ao recordar episódios de há muito, na minha vida… vividos, como se fora hoje!!!... Parece que estou a vê-los, era eu criança, havia poucos automóveis e os meios de transporte eram mais à base de tracção animal, de burros, de machos, de mulas, de cavalos, de bois… qualquer quadrúpede, servia, na altura!!!... O piso das ruas pejado de excrementos, pelos ares… um odor apropriado, vai para cinquenta e tais anos!!!... Muita fruta, meu Deus!!!...

… na minha santa terrinha, havia um homem, já de idade, pelo aspecto, não pelos anos… entre os trinta e os quarenta, sofrido, mal comido, com uma rebanhada de filhos, aguadeiro de profissão, companheiro dum burro, que o servia…pacientemente, com canga apropriada, onde carregava quatro cântaros grandes de metal, latão… para ser mais preciso!!!... Era o trabalho dele, a sua tarefa diária… entre caminhada e caminhada, entre a fonte, lá para a serra, afastada da vila, água com outro sabor, um primor, com muitos apreciadores… diga-se, e a povoação, onde apregoava o produto, é evidente, vendendo, por meia dúzia de patacos, o precioso líquido!!!...

… como já mencionei, o homem em questão tinha família numerosa, vivia no meio de muitas dificuldades, pelo pouco que ganhava, pelo número de filhos que tinha!!!... A sua única distracção, no fim do dia de labuta… era a tasca, junto da qual parava o burro, solto, sem estar amarrado a nada!!!... O dono entrava no local, satisfeito, boçal… pensando de antemão, noutro líquido, no tinto, copo atrás de copo, que emborcava, enquanto falava e gargalhava com amigos, adeptos de tal desporto, claro!!!... Fora, solto, como se nada… o burro, de olhar meigo, enigmático, pensativo, quiçá, pacientemente, aguardava!!!...

… o tempo ia passando, o burro esperava e… o dono emborrachava-se!!!... A cena repetia-se, no dia-a-dia!!!... Embriagado por completo, com a ajuda dos parceiros das libações alcoólicas, sem consciência, totalmente fora da realidade, sentia-se içado, era colocado, a custo, em cima do lombo do asno!!!... Bonacheirão, paciente, sem um gemido, sequer… o bicho (… sem desprestígio, simples expressão!!!...), aguentava!!!... Os companheiros, depois de verem o aguadeiro bem sentado, seguro… davam uma palmada no pobre do animal e, com o arre burro do costume, este, encaminhava-se docemente, com movimentos lentos e cadenciados até casa do seu dono, onde parava, raspava os cascos, fazendo som, dando sinal!!!...

…a mulher do vendedor de água fresquinha, da fonte da serra, quando ouvia os pés do animal a rasparem nas pedras da calçada, abria a porta, descia os degraus e… forte e robusta, com palavras azedas, amargas, com raios e coriscos, num português de época, apropriado… bem ao jeito, a preceito, abraçava o corpo inerte do marido, adormecido, embriagado por completo, apeava-o, levava-o para dentro de casa!!!... Depois de o meter na cama, num lugar qualquer, de o arrumar… sempre barafustando, ralhando com o marido, com a vida dela, com a tasca e com os companheiros de bebedeiras do dito, vinha à rua, tirava os cântaros vazios, a canga, os arreios… ao pobre do burro, dava-lhe uma palmadinha de reconhecimento e… este, com os seus vagares entrava por um portão, ali ao lado, para um casão, onde tinha a ração, na manjedoura, onde estendia seu corpo cansado no chão!!!... Era assim, todos os dias!!!... Estou escrevendo o que via, estou vendo o que vivia, na altura, como se fosse agora, como se fosse hoje!!!... Estas imagens ficaram-me gravadas na memória, deram-me conhecimento de vida, ensinaram-me a respeitar muitos daqueles que… muitos de nós, depreciativamente, denominamos de animais, de irracionais, por aí fora… sem nos visualizarmos, sequer!!!...

… não é ficção, nem com o intuito de te ir ao jeito, não é essa a minha postura… era a realidade de vida, na altura, numa vila alentejana do passado, com os cromos da época, pois então!!!... Figuras típicas… de há cinquenta anos e tal, memórias minhas e de burro, também!!!... Abraços do Sherpas!!!...

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