... na própria casa de habitação, logo à entrada,
tinha um lugar em que vendia legumes, hortaliças, fruta,
no campo, uma plantação, brejo, sua labuta,
negócio de família,
sobre mocho rudimentar, caixa aberta,
onde se acumulavam tostões,
fazia filhos, acumulava também, como ninguém,
tinha para cima de meia dúzia, amigos do peito,
tinha para cima de meia dúzia, amigos do peito,
jogatanas de rua, escola na Boavista,
primeiras leituras, escassas, poucas revistas,
gosto pelo colorido, pelo boneco, banda desenhada,
ver montra da papelaria, um rito,
encanto dos olhos, desejos imensos, pouco dinheiro,
quem tinha, quem
trazia primeiro,
capítulo novo, aventuras
em barda,
mais velho, sentados no chão, lia, com vozeirão,
espreitávamos, seguíamos
com emoção,
quando da Disney, diversão, risada,
confortáveis com a bonecada, nem uma agulha bulia,
quase se sentia zunido de mosquito, outra revista da altura,
com procura,
sem resultado, sem cheta, sem chavo, muitos filhos, muitos
encargos,
poucas leituras, primeiros passos na escola,
pés nus nas pedras da calçada,
sem saco, ainda sem sacola,
com excepção, com sola cardada,
grande botifarra, filho de comerciante da vila,
grupo alargado, dificuldades, curtas idades,
vezes por outras surgia revista, papel cheiroso, cores
berrantes,
aglomerado que se renova, leitor, mais velho, que se
perfila,
leitura para todos, mais novos, muito antes,
ávidos apenas, cinco, seis anitos, passaritos sem penas,
banda desenhada que cativa, centro de atenções permanente,
comprado com uns tostões ripados ao velhote da fruta,
o dos muitos rebentos que tinha um brejo,
que vendia na própria habitação,
filho que não compreendia esforço tremendo, muito em
segredo,
tirava, escondia no quintal da avó, deixava passar uns
tempos,
depois comprava, mostrava, orgulhoso, o que tinha comprado,
depois do saqueio,
dava a quem sabia, mais velho que lia,
diversão de todos,
paragem súbita do brinca que brinca, da corrida que se não
fazia,
sem susto, sem receio, doce enleio, recreio,
às vezes recuamos, recuamos,
recordamos tempos de quando não andávamos à escola,
de quando não tínhamos pedra, não tínhamos sacola,
de quando éramos ignorantes, não sabíamos ler,
pequenitos de cinco, seis anitos que brincavam na rua,
sem ter, nem haver,
muitos, quase todos descalços, tirando um privilegiado,
com botas cardadas, filho do comerciante, que se descalçava,
quando corria, com os seus amigos, quando brincava,
se juntava num aglomerado, sentado no chão,
ouvindo voz portentosa do mais velho, vozeirão,
que lia revista de banda desenhada que surgia,
já gasta, mais que usada,
novinha em folha, cheirando a tinta e a papel,
obtida através de pequeno furto na caixinha dos tostões
do vendedor de legumes, hortaliças e frutas,
feito por um dos filhos que não pensava no sacrifício do progenitor, ilusões,
guardava no quintal da avó, mais tarde, comprava,
trazia, mostrava e... todos se deliciavam
com bonecos do DISNEY, com aventuras dos cowboys,
com colorido, com beleza do que nos era negado, ainda,
tão tesos, tão sem cheta, tão pequenos, tão ávidos,
no intervalo do brinca que brinca, na corrida, na ida para a
ribeira,
para o campo, aos ninhos, aos espargos, à bolota, ao
rabisco,
sorridentes, sempre, sempre,
tão pobres....
no PAÍS dos resignados, tão cinzento, tão triste,
como agora existe,
tão parecido que faz impressão, retrocesso tão grande,
recuo tremendo, feito às claras, com transparência,
no dizer de certa excelência,
criança com fome,
quanta e quanta criança pobre,
família sem meios de sobrevivência,
tão miserável como dantes,
situações aberrantes,
numa Europa que se não entende,
desigual, anormal, diferente,
recanto do... desencanto!!!... Sherpas!!!...