sexta-feira, 9 de março de 2012

... velhas e... velhos!!!...



... como águias vigilantes em ninho de rochedo,
bem no alto, sem medo,
último andar de edifício secular,
quando casados, ainda novos,
bebendo vida a sorvos,
amando com tanta força,
sorrindo com enlevo,
doce lar, doce conchego,

subida a sétimo céu, escadas gastas,
velhas,
empinadas como colinas escarpadas,
janela aberta,
beiral das telhas,
esvoaçantes andorinhas,
o Tejo,
sobre casario que desce até ao rio,
quando aprecio me inebrio,
barcaças que parecem paradas,

águas azuis,
bonito quadro,
panorâmica que se repete no dia-a-dia,
quando se abria,
pensamentos ocorrem, desejos fluem,
o que adivinhas, o que intuis,

lufada de ar que entrava pelo quarto,
cheiros intensos, barulhos costumeiros
quando se ouvia pregão na rua,
cumprimento de outros vizinhos,
tasca com vinhos,

hortaliças,
peixe fresco na canastra,
arrastar de rodas férreas na calçada,
pequena distância de prédio frontal,
tão alto, tão igual,
estreitinha travessa,
rodopio, numa pressa,
quanta gente,

amor que se respira,
entrega total,
tal como num ninho de águia imperial,
mesmo no cimo,
cântico divinal,

amor que se derrama por qualquer canto,
gorjeio afadistado, ali ao lado,
guitarra que se dedilha,
ainda madrugada,
noite mais longa,
noitada,
paisagem que se prolonga,
margem contrária,
juntinho ao castelo, bairro antigo,
lembrança que trago comigo,

humildade que se junta,
comunga,
barco, ao fundo, vira e ruma,
tão manso, quase parado,
céu, rio, azuis tão intensos,
apensos, espelhantes,
dois seres,
dois amantes,

princípio,
escada estreitinha,
íngreme subida,
campainha do eléctrico que passa
na praça,
chiadeira costumeira sobre carris,
quanto me diz,
quanto me conforta,
por trás desta porta,

e... a vida passa,
faina que se renova, em casa, no emprego,
tanto apego,
tão despertos,
tão abertos,

vida de bairro típico de Lisboa,
voz que entoa,
parede gasta, saltos, brincadeiras,
raparigas namoradeiras,
festas ridentes, algum pranto,

irmanados na marcha,
bairrismo,
junção, feiticismo,
inebriamento na doçura,
aproximação,
quanta emoção,

com Graça, um encanto,
gentes jovens, enamoradas,
lá em cima, enlevadas,
na estiva, no balcão,
refeição com ilusão,
filhos que surgem, crescem, voam do ninho,
como andorinhas, tão de baixinho,

noutra paragem,
na outra margem,

e... a vida passa,
canta a desgraça,
na doca, na loja,
morte acidental,
era uma vez,
viuvez,

solidão, desemprego,
desapego,

outras tarefas,
avessas,
lugar de venda de fruta, hortaliças,
vizinhos que buscam,
que morrem sozinhos,
carestia de TUDO,
calvário,
cansaço, aquando da subida para o ninho,
bem no alto, no cimo,

janela aberta, como poiso,
sem rebuço,
vai ouvindo um que outro que passa,
que diz, alto e bom som,
mudando de tom,
acusa, com ira, governança que não governa,
quase increpera,

espreitando quem passa,
canta a desgraça
biscates,
escadas, como serviço,
custoso, sem viço,

inexorável lei da selva,
idade que vai somando,
não tão agradável a casa, o alto, o sítio bonito,
a paixão quase esquecida,
a solidão,
o medo,
o vazio,
quase no fio,

um traço sem ponto,
simples desconto,
encurvada, fechada,
já não desce,
não consegue, decresce,
resguarda,

e... a vida passa,
barulho tão grande no silêncio que a rodeia,
repetitivo caminho,
no ninho,
junto ao beiral,
sem ruído, sem sinal,

janela aberta,
ponto de vigia,
espreitadela para a viela,
travessa sem vida,
prédio arruinado,
algo lhe dão,
voluntariado,

... deu-se, como a muitos do bairro,
na cama, sem chama,
pavio que esmorece,
aborrece,
esboroa, como o prédio,
incrédulo, constato,
um artefacto,
objecto que definha,
morre sozinha... Sherpas!!!...

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