quinta-feira, 22 de maio de 2008

... contadores de "histórias"!!!... (antiga)




…contadores de estórias, pessoas com boa memória, simples… e, ricas de interior, frutos com muito sumo, verdadeiros repositórios de cenas do passado!!!...Sempre existiram e…teimam em continuar porque, da vida, tentam tirar o melhor!!!...Dá-lhes gozo…quando as contam, sentem prazer nisso, quando as relembram, quando as dizem, uma e outra vez, numa obsessão contínua!!!...Partilham, com prazer, o que sentem!!!...Estórias, casos e coisas, fantasias e sonhos, invenções, ilusões…tudo lhes serve para, com entrega e paixão, se dedicarem a isso, dar aos outros, o que têm, de melhor, da sua própria vida, a já passada!!!...É uma maneira, como outra qualquer, de se realizarem, de se sentirem felizes, com eles próprios, com o Mundo que os rodeia, Mundo cruel, insensível…o actual!!!...

…nos meus tempos de criança, há quanto tempo, meu Deus, não havia TV, nem PC,s e…os livros, eram raros, caros e censurados!!!...Sempre senti, nesses tempos, verdadeira atracção pela banda desenhada, sem cores mas, com muita acção, nos quadradinhos do Kit Carson, do Mandrake, das figuras do Walt Disney, sei lá, tantas que me falha a memória!!!...Ainda não sabia ler, pela idade, não tinha iniciado a primária e, pobre de mim, contentava-me com o que os mais velhos iam lendo, em voz alta!!!...Tanto vi, tanto ouvi que, antes do professor me ensinar a ler, mais tarde, já o fazia, por mim próprio, por vontade imensa de saber decifrar aqueles gatafunhos, os da banda desenhada, que devorava, ao som da leitura dos meus amigos, os que já sabiam, os que liam, os que me explicavam o que os bonecos diziam, nos quadradinhos da dita… como se nada, naturalmente!!!...

…eram tempos de verdadeira felicidade, sentados, todos juntos, na soleira duma porta qualquer, ali, na rua, irmanados pelo mesmo gosto, o da acção, o da aventura, o da fantasia!!!...Íamos repartindo o tempo dessa maneira, com brincadeiras, as da infância, em liberdade, sem peias, pela idade…ainda curta!!!...Outros tempos, porque sim!!!...Brincava muito com os filhos, cerca de cinco, dum vizinho, já falecido, sapateiro que, no seu trabalho, pausado e sem ritmo, por vezes, quando parava, num grito, chamava a criançada que, alvoroçada, porque sabia, se aproximava, sedenta e o rodeava…aguardando, ansiosa, o que calculava, já estava habituada!!!...O Mestre…ia-nos contar um conto, ia-nos perguntar umas adivinhas, ia-nos ensinar umas anedotas, ia repartir, connosco, pobres de espírito, simples analfabetos, pela idade, ainda curta, os seus saberes, com toda a bonomia, que sentia e repartia, com toda a afeição e carinho, pelos filhos e pelos amigos dos referidos, nos quais me incluía, pois então!!!...

…eram momentos gratificantes!!!...Todos os aguardávamos!!!...Todos os gozávamos até à exaustão!!!...O Mestre, para nós, catraios, na altura…era uma bênção!!!...Recordo-o… com imensa saudade!!!...Era benfiquista a valer e, mesmo com pouco dinheiro, com dificuldades avultadas, pela filharada, pelo pouco que ganhava, em dias de desafio…lá ia, a caminho de Lisboa, gastar o que fazia falta à família, que vivia com muitas penúrias!!!...A mulher, a tia Maria, gritava-lhe, tentava chamá-lo à razão mas, pela paixão do clube, ele nem ouvia!!!...No desafio seguinte, o Mestre, lá ia!!!...Mestre sapateiro, com cinco filhos, pois então, descalços, porque sem sapatos ou…botas, no tempo do dito, da miséria absoluta…tempos da lavoura, como diz o outro, coitado, saudosista e, quiçá, incitador do Movimento em Santa Comba, p´rá colocação da estátua do referido, lá na praça da terra, por feitos valorosos, triste memória, infelizmente, história, não estória!!!...Eu, fazia-lhes a vontade porque…uma estátua, não é, senão, um repositório, dos mais favoritos da passarada, pombos inclusive, dos dejectos, abjectos, resíduos fecais dessas simpáticas criaturas, racionais no que fazem…quando o fazem, com satisfação!!!...Porque não???...Mas voltando ao tema…mais que visto que, quem fazia alguma coisa pelo agregado familiar do sapateiro, a fim de suprir as faltas, na ausência do marido era ela, mulher de armas, com uns bolos que vendia, uns sorvetes que confeccionava, umas farturas, deliciosas, que vendia…com muito trabalho, com muita canseira, pelos filhos…eram muitos!!!...

…nos entretantos, o Mestre, gostava de se deslocar à tasca mais próxima, onde entornava uns copos e se alegrava, mais do que devia!!!...Vi-o regressar a casa…já carregado, balbuciando palavras sem nexo, algumas com espírito, com graça…muitas vezes!!!...Respeitava-o, pela outra faceta, a de contador de estórias, anedotas, adivinhas, as que repartia…com os filhos e respectivos amigos!!!...Ainda me recordo duma frase, alcoolizada, balbuciada, com espírito, muito dele, repetida, vezes sem conta, quando, cambaleando…vinha para casa:
- O meu vizinho, papo-seco me chamou!!!...Eu, pareço mas…não sou!!!...Saudoso Mestre da minha infância!!!...Veio a morrer, de morte natural e…com idade avançada!!!...É a vida!!!...Eram os contadores de histórias, os fidedignos, os completos, as televisões do passado, os computadores da altura, num tempo de livros raros, caros e…censurados, de extrema pobreza, numa vila do interior alentejano, como muitas!!!...Mas, quem sou eu???...Sherpas!!!...

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